sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

NORTE

Aquiles Ferrari na Associação Brasileira de Imprensa em 30 de junho de 2010. Fotografia de André Gomes de Melo.

O Brasil libertador de 1945 não foi o mesmo de 1964 e de 1968. Com 2 anos de idade em 64 e com 6 anos em 68, o que um menino poderia saber disso? Ele soube os sussurros numa casa que não sussurrava, ele viu rostos contraídos, rostos escondidos, rostos rotos, ele foi cercado por um silêncio severo, o guarda-chuva em dia de sol da bisavó alemã querida que parecia querer proteger-lhe até do sol, a tristeza de seu pai por nada saber sobre o paradeiro do irmão, vovó Angelina de um lado para outro do fogão aceso. E depois, muito depois, a risada sem saber por que depois da chegada de um cartão postal vindo de Roma. Ele ouviu pela primeira vez na vida a palavra tortura.

Em 30 de junho de 2010, durante o evento “Direitos Humanos no Rio de Janeiro: construir a memória para resguardar o futuro”, tio Aquiles, em nome de anistiados políticos e de diversas organizações de defesa dos direitos humanos, assim falou em um certo momento:

“Ao longo destes anos a rede de reparação ampliou sua agenda e a luta pela reparação integral; reparação no sentido amplo do termo, pela verdade, pela memória, pela justiça. Por uma reparação mais justa para os que viveram a barbárie da tortura e que tiveram seus companheiros desaparecidos e mortos. Lutamos para que a sociedade conheça o que aconteceu na época da ditadura e para que nunca mais se esqueça. Lutamos para que os responsáveis pelos atos de violência do Estado sejam identificados e julgados. Vivemos na carne a dolorosa experiência da tortura. Milhares foram presos, perseguidos; outros viveram no exílio, foram assassinados. Famílias e amigos ainda lutam para conseguir os restos mortais dos desaparecidos. Tivemos os nossos projetos de vida interrompidos. Não queremos que esta situação volte a se repetir” (fonte: Cláudia Souza na página da ABI na internet, em 30/6/2010. Agradeço a Belkiss por ter descoberto essa reportagem no ano passado).

Luta. A luta pela memória, a luta pela verdade, a luta pela justiça, a luta pela reparação. Tia Branca, que também viveu as agruras do exílio, escreveu ano passado seu belíssimo “Ao Norte do Horizonte” (ed. Biblos, São Paulo, 2011). Lá está a sua voz no personagem Guilhermo, quando diz:

“Cidadãos comuns perdem seus cargos, perdem direitos políticos, têm suas casas invadidas com violência, são levados para cárceres onde torturas medievais se transformam em prática corriqueira, muitos morrem” (p. 23).

Tio Aquiles não morreu. É dele esta carta que nos chega. Carta de família.

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