domingo, 18 de março de 2012

O SONHO DA RAZÃO

“Fuzilamentos de 3 de maio de 1808” de Francisco de Goya, Espanha, pintado em 1814 como um retrato da passagem de Napoleão pela Espanha.

Marco Giovanni Ferrari nasceu em 1º de novembro de 1802 no território de Rosola, comuna de Zocca, província de Módena, região da Emilia-Romagna, Itália.


Desta descrição, apenas o último termo, “Itália” não existia em 1802. Se Marco tivesse nascido cinco anos antes, em 1797, ele teria respirado brevemente o ar do que se chamava na época de Ducado de Módena. Porém, cinco anos depois, em 1802, toda essa região havia sido invadida por um francês chamado Napoleão Bonaparte e batizada com um novo nome: República Cisalpina. Falar em Napoleão é falar na Revolução Francesa. E falar em Revolução Francesa é falar no fim do feudalismo, o fim de uma época, e o advento de um novo sujeito chamado “cidadãos livres e iguais perante a lei”. Começava a nascer ali a ideia de nação ou, em italiano, o Risorgimento, ressurgimento, a criação de um Estado independente italiano.


Se antes de Napoleão, os Ferrari eram súditos de duques, príncipes, reis e Papas, com Napoleão eles passaram a ser súditos de um general francês. Como? Não era para virarem “cidadãos livres e iguais perante a lei”? É que fora da França, a França não era a França. Era Napoleão. Quem percebeu isso com uma dor enorme foi o grande artista espanhol Goya. Este homem que foi dormir e sonhar com a Revolução Francesa e os milagres que ela poderia fazer em sua Espanha miserável, acordou debaixo das botas de Napoleão. Sonhou com a razão, acordou com o monstro. Pois Marco Giovanni nasceu em uma região ocupada, cercada, vigiada a baionetas pelas tropas de Napoleão. Pior. Quando completou dez anos de idade, ele viu seus primos mais velhos serem convocados às armas, com milhares de napolitanos, toscanos e piemonteses, para participar de uma das maiores loucuras da história, a invasão da Rússia pelo exército francês. Não era a primeira vez que os Ferrari eram chamados à guerra, mas foi a primeira vez que tiveram que se deslocar a tão grande distância e, pior, em condições absurdamente miseráveis. Desnecessário dizer que de lá não voltou ninguém para contar a história. Essa tragédia, que já era uma farsa descomunal na época, retornaria igual um século e meio depois – trocando-se a bandeira da França pela da Alemanha. Aliás, diga-se de passagem que a bandeira atual é a dos Estados Unidos, onde italianos morrem diariamente no Iraque e no Afeganistão sob ordens gritadas em inglês. Risorgimento? Marco Giovanni tinha um problema nas mãos: como caminhar por ali sem perecer, sem se machucar demais, sem desaparecer.

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